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quinta-feira, 24 de maio de 2018

A arte de ouvir

Quase todos se preocupam em saber como falar. Mas quem sabe ouvir?



Disse o antigo filósofo chinês Hanfeizi (280 a.C-233 a.C.): “A dificuldade em falar com uma pessoa não está em saber o que dizer, nem no método de argumentação que torne claro o que se pretende. A  dificuldade também não está no fato de ter coragem para expor total e francamente o que se tem no espírito. A dificuldade está em conhecer a mentalidade da pessoa a quem se fala, e em adotar o meio mais adequado para atingi-la. Se a pessoa a quem se fala gosta de ter fama de altruísmo e idealismo, e lhe falares de proveitos utilitários, considerar-te-á um espírito vulgar e  afastar-se-á de ti. Se, por outro lado, a pessoa a quem se fala tem a mente receptiva a lucros comerciais, e lhe falares de idealismo, pensará que és um tipo nada prático, com quem não tem coisa  alguma a fazer. Se a pessoa a quem se fala gosta de aparecer uma pessoa de princípios, tendo,  porém, o coração voltado para os proventos, e se lhe falares de princípios, fingirá estar de acordo contigo, mas não te concederá sua confiança. Se falares à mesma pessoa de grandes lucros,  secretamente seguirá teu conselho, mas, exteriormente, cuidará de manter-te à distância. São coisas que é preciso conhecer.”


Quando o sentido é subvertido
Hanfeizi afirmou que a dificuldade em falar trata do momento, do propósito e do conteúdo. O  momento pode ou não ser o adequado; o conteúdo se atrela ao momento; e o propósito é a intenção  do comunicante. Hanfeizi estava tão resoluto sobre a arte de falar que se esqueceu do problema de ouvir. Em chinês, a própria palavra “sábio” (sheng) significa, justamente, “aquele que escuta”.

Esse é o problema da ideia de Hanfeizi – e que afeta diretamente a maior parte dos “chatos” que tentam nos convencer de algo até os dias de hoje, tanto quanto as pessoas que gentilmente tentamos convencer de alguma coisa. Quem sabe falar? Mas o principal é: quem sabe ouvir? Uma pessoa com propósitos escusos pode escutar, mas não ouvir; se ouvir, sabe ponderar; se ponderar, ainda que veja coerência e razão no argumento, não sabe concordar. Isso porque seu propósito particular e pessoal, de antemão, já está definido.


A arte de argumentar consiste em plantar sementes. Não se trata apenas de dizer o que as  pessoas querem ouvir, pois não é o agradável que ensina o que é ruim, e sim o contrário. Para  isso, pois, é necessário antes ouvir, de tal modo que se possa saber como chegar ao âmago de uma  questão. Argumentar bem, pois, é usar de poucas palavras para lançar alguém a uma possível reflexão. Um antigo provérbio chinês (que Hanfeizi, aparentemente, esqueceu de ouvir), dizia que “os idiotas sabem falar, os tolos sabem discutir, e só os sábios sabem ouvir”.

No entanto, somente a dúvida pode fazer isso. Somente quem duvida pode buscar esclarecer-se sobre qualquer coisa. E, infelizmente, a maior parte das pessoas prefere ficar com suas falsas e  inseguras certezas. Talvez por isso um velho provérbio chinês (atribuído ao grande sábio Confúcio (551 a.C.-479 a.C.) já nos avisasse sobre a arte de ouvir: “O prazer de um sábio é parecer um idiota diante de um idiota que tenta parecer sábio”. Do que se diz, e do que se ouve, tiramos nossas conclusões.



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